O folheto Chicó, o Menino das Cem Mentiras, publicado em 2009 pela editora Luzeiro, foi meu primeiro texto. Essa publicação foi a porta de entrada para dezenas de outras, vestidas de livros, livretos e folhetos de cordel. Tudo começou com esse primeiro passo na seara da literatura de cordel.
Além de incentivar essa publicação, o poeta e pesquisador Marco Haurélio também foi o responsável pela ilustração da capa, mantida na edição mais recente do folheto, agora sob a responsabilidade da Rouxinol do Rinaré Edições.
A seguir, compartilho algumas estrofes do texto.
Venho respeitosamente
Pedir a vossa atenção.
Falarei de um Coronel,
Um homem sem coração,
E da astúcia de um menino,
Como segue a narração:
O Coronel atendia
Por nome de Nicanor,
Era um sujeito perverso,
Sem afeto, sem amor,
Que vivia a oprimir
O povo trabalhador.
Aos berros, ele dizia,
Batendo forte no peito,
Que o desígnio da morte
Era, sim, seu maior feito,
E só quem ele queria
À vida tinha direito.
Do jovem ao ancião,
No chicote ele tratava,
E quando escutava um não
A sua ira aumentava,
Mesmo que fosse mulher,
Sem piedade açoitava.
Mas se todos têm seu dia,
O Coronel teve o dele.
Estando preocupado
Com um assunto que ele
Preferia não lembrar,
E assim não se sujar nele.
Buscando descontração
Mandou rodar a notícia,
Prometendo pagar bem
A quem mostrasse perícia
Para lhe contar lorotas
Sem assombro e sem malícia.
A notícia chegou logo
A um certo Zé Conrado,
Que do bruto Nicanor
Era mais um agregado,
E para o povo dali
Homem bastante estimado.
Era pai de sete filhos
Com sua mulher Filó:
Pedro, Raimundo, Maria,
Antonio, Bento e Jacó;
Mais o pequeno Francisco,
Conhecido por Chicó.
Certo dia, Zé Conrado,
Mesmo sem ter intenção
De afrontar o Coronel
Ou lhe fazer agressão,
Jogando conversa fora,
Criou uma confusão.
Disse: — Ao Coronel não vou,
Pois não me sinto obrigado,
Mas se ele quiser, que venha
Ouvir meu pronunciado:
Eu conto até cem mentiras
A qualquer interessado!
Um jagunço, ouvindo aquilo,
Correu com má intenção
De provocar desavença
Em quem é sem coração,
E levou ao Coronel
Como uma provocação.
O Nicanor deu um urro,
Estrebuchando na teia,
Dizendo: — Se não cumprir,
A coisa vai ficar feia,
Ou me conta cem mentiras
Ou perde o couro na peia!
Depois reuniu dez cabras,
Dos mais cruéis que ele tinha,
Gritando: — Isso é pra já
E não quero ouvir gracinha!
Vou mostrar a Zé Conrado
Como se anda na linha.
Na casa desse matuto,
O Zé, que não era besta,
Não perdeu nem um minuto,
Fugindo com sua prole
Atrás de um novo reduto.
Porém Chicó, seu caçula,
Disse: — Pai, deixe qu’eu fico,
Pois se eu amanso esse monstro
O senhor não “paga o mico”,
De provocar uma águia,
Depois cair no seu bico.
E Zé Conrado se foi
Com o coração partido,
No temor de crueldade
Com seu menino querido,
Rogando ao bom padre Cícero
Que ele fosse protegido.
Quando o Coronel chegou,
Já foi logo esbravejando:
— Se o teu pai está em casa,
É bom que vá me falando!
Para ele eu trouxe um relho,
Porém, tem outro sobrando!
Chicó disse ao Coronel
Para ele se abancar:
— Deixe que lhe fale agora
Tudo sem titubear,
Se lhe faltar à verdade,
Pode, sim, me castigar.
Seu Coronel Nicanor,
Ouça o que vou lhe dizer:
O meu pai cria galinhas
E com isso tem prazer
De tratar com muito zelo
Aquilo que vai fazer.
É na contagem dos ovos,
Que ele aumenta o cuidado,
Com capricho, um a um,
Fica lá sempre ocupado,
Zelando do galinheiro
Do jeito mais dedicado.
Certa vez, quando contava,
Ele, com muita clareza,
Sentiu que faltava um,
Recontou pra ter certeza;
Depois saiu procurando
Quem lhe fez a safadeza.
Embrenhando-se na mata,
Bem depressa ele foi vendo
A bitela de uma cobra
O dito ovo comendo,
Foi então qu’ele partiu
Pra riba dela correndo.
Esbarrando frente a frente,
Sua espingarda ele armou,
O tiro não foi certeiro
E a cobra nele avançou,
Como quem diz: “Eu te pego!”
Mas o seu bote falhou.
Seu Coronel, no momento,
Foi a maior confusão:
Ele levantou a cobra
E o ovo caiu no chão,
E dos seus cacos saiu
Um macaquinho gibão!
O macaco pôs um fim
Naquela grande batalha;
Deu um nó cego na cobra,
Em postura de quem ralha,
Na forma de reprimenda
Por sua tremenda falha.
O velho ficou contente,
Pois achou que teve sorte.
Botou uma venda de ovos
Para o macaquinho forte
Cuidar do mesmo jeitinho
Que lhe defendeu da morte.
Acabou não dando certo
Por uma questão de jeito:
Ele perdeu a alegria,
Mas, sem parar o trejeito,
A freguesia pensava
Qu’era falta de respeito.
Já meu pai pensava ser
Algum problema de azia,
Apelando para crenças
Invocou Santa Luzia,
Pois difícil era olhar
Caretas que ele fazia.
Levado a um curandeiro,
Este foi logo dizendo:
— Isto é só prisão de ventre,
É tudo que estou vendo!
Se ele der alguns espirros
Solta o ar que está prendendo.
Foi preparado um rapé,
Feito de fumo torrado,
De cheiro muito gostoso,
Mas quando foi inalado,
O bicho soltou foi pum
Com um barulho lascado.
(.)...
Acabou não dando certo
Por uma questão de jeito:
Ele perdeu a alegria,
Mas, sem parar o trejeito,
A freguesia pensava
Qu’era falta de respeito.
Já meu pai pensava ser
Algum problema de azia,
Apelando para crenças
Invocou Santa Luzia,
Pois difícil era olhar
Caretas que ele fazia.
Levado a um curandeiro,
Este foi logo dizendo:
— Isto é só prisão de ventre,
É tudo que estou vendo!
Se ele der alguns espirros
Solta o ar que está prendendo.
Foi preparado um rapé,
Feito de fumo torrado,
De cheiro muito gostoso,
Mas quando foi inalado,
O bicho soltou foi pum
Com um barulho lascado.
Naquela situação,
Tanto de noite ou de dia,
Qualquer que fosse o cristão,
Perto dele não podia
Respirar por um instante,
De tanto que ele fedia!
Cachorro saiu miando,
Um gato saiu latindo,
Até uma porca velha
Foi logo se escapulindo;
Só as galinhas que não
Pareciam estar sentindo.
É chefe de galinheiro
O seu mais recente emprego,
Só que as galinhas o tratam
Com preferência e apego
E até já andam fazendo
Do velho galo, um pelego.
O meu pai ficou danado!
Não cansa de reclamar,
Que o seu estoque de ovos
Já está pra se acabar:
“Como pode! Macaquinho
Com galinha namorar?”
Acho que falta é vergonha,
Oh! Bichinho presepeiro!
Anda montado no galo
Dia inteiro no terreiro,
Mas quando dá meia-noite
É quem canta no poleiro.
Continua…
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