VIDA E LUTA DE ESPERANÇA GARCIA
O Piauí tem história
Que nos instiga e fascina.
Falarei neste Cordel
Sobre uma grande heroína,
Mulher negra, escravizada,
Da região nordestina.
Foi da pia batismal,
Como Esperança Garcia,
Que se fez raio de luz
Nas trevas da tirania,
Pela destemida luta
Em prol de cidadania.
Fazenda dos Algodões,
Lugar onde ela nasceu,
Pertencer aos jesuítas
Foi este o destino seu;
Registro mais detalhado
Com o tempo se perdeu.
Era o século XVlll,
Quando se deu esse evento;
Cinquenta e um foi o ano
Que marcou seu nascimento,
Ficando o dia e o mês
Ausentes neste momento.
Também é desconhecida
A sua filiação
Pela precariedade
De fonte de informação,
Que possa ser confirmada —
Não há documentação.
Foi mãe aos dezesseis anos,
Decerto inexperiente,
Tendo o segundo e terceiro
Filhos no mesmo ambiente,
Depois deu à luz mais quatro
Em paragem diferente.
Junto aos padres jesuítas
Com quem ela foi criada,
A labuta era constante,
Mas bastante humanizada,
Por isso, teve a façanha
De ser alfabetizada.
Mesmo não tendo na época
Qualquer amparo legal,
Ensinar cativo a ler
Era um ato marginal,
Por ser uma mulher negra;
Um agravante penal.
Mas o destino compôs
Os traços da sua sina
Com altivez expressada
Desde os tempos de menina,
Hoje presença luzeira
Na condição feminina.
(...).
Buscando novos caminhos,
Por um engenhoso plano,
Dom José I fez
Um edito soberano
Que depôs os Jesuítas,
Apesar do grande dano.
Assim, Marquês de Pombal
Impôs seu ponto de vista,
No tocante à catequese,
Postura protagonista
Da Coroa Portuguesa
Com viés Iluminista.
Mesmo os Sacerdotes tendo
Um papel fundamental
Na Catequese e na Ordem
No Brasil colonial,
Inda assim, foram expulsos
Por capricho de Pombal.
Passaram-se oito anos
De intensa transformação:
Bens pertencentes aos padres
Com nova destinação,
A Corte é quem nomeava
O executor da gestão.
Esperança estava bem
No lugar que foi criada,
Na cozinha e na limpeza,
Sempre muito dedicada,
Além de cuidar dos filhos
Depois da sua jornada.
Convivendo em harmonia
Na casa do seu senhor
José Esteves Falcão,
Bom administrador
Do lugar que ela servia
Com dedicado labor.
Uma inesperada ação
De gestão reformulada,
Para a Fazenda Poções
Esperança foi levada,
Onde, impiedosamente,
Passou a ser maltratada.
No momento em que chegou,
Já percebeu que teria
Um clima de turbulência
Na pauta do dia a dia,
Mesmo sem pensar na soma
Do preço que pagaria.
Ela e duas companheiras
Viveram grande terror.
Capitão Vieira Couto,
Na condição de feitor,
Era um sujeito perverso
Do coração sem amor.
Nas garras deste tirano,
Por ser cativa e mulher,
Ele a tratava igualmente
Se fosse um traste qualquer;
Sempre bradava dizendo:
— É do jeito que eu quiser!
Os maus-tratos eram tantos,
Causando dor e tormento.
O maldito capitão
Ria do seu sofrimento.
Déspota juramentado,
Nem escutava argumento.
Esperança era assim mesmo,
Uma mulher instigante.
Quanto mais a conhecemos
Nos surpreende o bastante,
Tendo nos brindado aqui
Com este feito brilhante.
Nesta carta-petição,
Além de voz pioneira,
Sua determinação
Faz tremular a bandeira
Do Piauí, que é Brasil,
E berço desta guerreira.
A Carta:
“Eu sou uma escrava de Vossa Senhoria da administração do capitão Antônio Vieira do Couto, casada. Desde que o capitão lá foi administrar que me tirou da fazenda algodões, onde vivia com o meu marido, para ser cozinheira da sua casa, ainda nela passo muito mal. A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho meu sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca, em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo peada; por misericórdia de Deus escapei. A segunda, estou eu e mais minhas parceiras por confessar há três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Peço a Vossa Senhoria pelo amor de Deus ponha os olhos em mim, ordenando que eu diga ao procurador que mande para a fazenda de onde me tirou, para eu viver com meu marido e batizar minha filha”.
De V.S. ª. sua escrava, Esperança Garcia”.
*Notas: Gonçalo Lourenço Botelho de Castro - Governador da Capitania do Piauí.
Poções - Fazenda administrada pelo capitão Antônio Vieira do Couto, de onde Esperança Garcia fugiu.
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