LENDA DO PEIXE DOURADO
Se avareza é um pecado,
Ganância é muito pior.
Sorte de quem nunca esquece
De olhar ao seu redor,
Apreciando a beleza,
Que nutre a delicadeza
E faz um mundo melhor!
Tem gente que na pobreza
Até lhe estende a mão,
Mas se lhes derem poderes
Endurece o coração,
Cobiçando o impossível,
De jeito irreconhecível
Na pratica da opressão.
A narrativa que segue
Faz um ligeiro recorte,
De quem, com muita arrogância,
Dedo em riste e braço forte,
Viu seu império ruir
E em águas fundas sumir
Sua reserva de sorte.
Um pobre casal de idosos
Que habitava uma ilha,
Dividia uma cabana
Num exemplo de partilha;
Até surgir alvoroço,
De a mulher pôr o pescoço
Na sua própria armadilha.
(...).
POSFÁCIO
A história do Peixe de Ouro, fazedor de milagres, é mais abrangente do que se pensa, e integra muitas coletâneas de contos tradicionais, incluindo os Marchen dos Irmãos Grimm. No catálogo internacional do conto popular, é classificado como ATU 555 – The Fisher and his Wife (O pescador e sua mulher), com variantes e versões em inúmeros países. Adverte para
os riscos e consequências da ambição desmedida, sendo, ao mesmo tempo, um conto maravilhoso e uma história exemplar. O peixe aparentemente indefeso do início da história mostra-se um auxiliar mágico poderoso, mal disfarçando o exercício de um poder de deidade, recompensando e punindo quando a ganância torna-se sacrilégio. Impossível não recordar o peixe divinizado de várias culturas e épocas (elamita, bramânica, budista, babilônica) e que, por fim, tornou-se símbolo e emblema do cristianismo.
Talvez seja um resquício do culto do deus sumério Oannes, corpo de peixe e cabeça e pés humanos, divindade civilizadora. Adorado em muitas cidades, sua iconografia pode ter inspirado o pitoresco conto bíblico do profeta Jonas engolido e depois regurgitado por um grande “peixe”. Em Nínive, cidade assíria para onde Jonas teria sido enviado por Deus, o deus Dagon pontificava. Dag, em hebraico, é peixe. E Jonas (Yonah em hebraico, Joannes em grego) parece ser uma versão tardia do mito civilizador de Oannes reaproveitado em uma história exemplar. Um arquétipo tão poderoso quanto o do peixe mágico, em mais uma história de recompensa e punição, fatalmente seria levado ao prelo por um autor de cordel. E a tarefa coube a um poeta que tem nome de pescador, Pedro, e sobrenome de caçador, Monteiro, que foi buscar o enredo na versão coligida por Nair Lacerda, no livro Maravilhas do conto popular.
Marco Haurélio
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