A HISTÓRIA DO BOI ENCANTADO
Apresentação
A HISTÓRIA DO BOI ENCANTADO, poema em cordel de autoria de
Pedro Monteiro, inspirado na fábula africana O TAUMATURGO DAS PLANÍCIES[1] é mais uma iniciativa de
resgate do patrimônio cultural africano a ser popularizado na linguagem do
cordel.
As
recentes conquistas do movimento negro, incluindo suas demandas históricas na
agenda das Políticas Públicas Brasileiras, resultaram na construção de um vasto
marco legal que vai desde a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial às
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnorraciais.
Com isso, rompe-se o etnocentrismo europeu que caracterizou nossa
historiografia, silenciando a rica contribuição da história e cultura africana
na formação social brasileira. O trabalho ora editado se inscreve, portanto, no
fértil terreno da literatura, trazendo uma fábula, que embora aos leitores
atuais não deixe passar despercebido valores questionáveis no que se refere à
desigualdade de gênero, tem por foco a temática da ancestralidade, ou
seja, a importância de se cultivar as raízes culturais que constituem a
identidade de um povo.
No texto, os protagonistas tomam decisões que desdenham da
tradição e afrontam os laços familiares, no que resulta em grandes aflições
para todos e no auto-aniquilamento da comunidade. Ainda que constituída de um
rico pluralismo cultural, de variadas crenças, costumes, condições geográficas,
línguas etc., a cultura africana tem na reverência as suas linhagens
ancestrais, manifesta nas práticas de transmissão cultural oral pelos Griots, os mais velhos representantes da
sociedade, um elemento comum e decisivo para a construção de uma matriz
cultural que é o sustentáculo de diferentes formas de organização social no
continente. A noção de Ubuntu, princípio filosófico central da cosmovisão de
inúmeras sociedades africanas, é a régua e o compasso da ética de construção da
vida coletiva, assentada no reconhecimento da interdependência do Eu e do Outro
e que pode ser traduzida pela expressão: Eu
só existo porque nós existimos. É ao que nos remete a conflitiva e mal
sucedida tentativa dos protagonistas de romper com as crenças da sua tradição
cultural, ameaçando, com isso, toda a comunidade, conforme havia sido anunciado
pelos mais velhos.
Vê-se que o senso de pertencimento implica em alimentar o que
está na base da crença daquilo que dá sentido à coletividade e que está em
estreita relação com as forças da natureza, nas suas complexas formas do
visível e do invisível. Na nossa
história, também temos a experiência de formação de comunidades, como as quilombolas,
centradas na ideia de ancestralidade, equidade e autossustentabilidade.
Neste sentido, o texto, em suas diferentes versões,
oportuniza o diálogo com as matrizes culturais de nossa formação social.
Saudemos a memória dos nossos ancestrais, que da tradição
oral, passando pelas páginas impressas da Coleção: Maravilhas do Conto Universal, chega às belas rimas do
poeta Pedro Monteiro, um convite a outras leituras.
Dra. Fátima Vasconcelos
(PPG em Educação Brasileira — UFC)
[1] Fonte: Fernando Correia da Silva (org.) Maravilhas do conto popular, São Paulo: Cultrix, 1959. Introdução, seleção, notas e traduções de Nair Lacerda. Coleção: Maravilhas do Conto Universal.
Estrofes inicias:
Em
narrativa poética
De
rosto cordeliano,
Igual
à chuva que cai,
Formando
o grande oceano,
Eu
lhes trago interação
Pela
presente versão
De
um belo conto africano.
Recolhido
em Moçambique,
Terras
de domínio banto,
Difuso
na oralidade
Criou
magia e encanto
À
luz daquela cultura,
Com
firmeza de postura,
Na
alegria ou no pranto!
Tem
magia, imprudência,
Turrice
entre pai e filho,
É
uma fábula antiga
Que
nunca perdeu o brilho,
Por
uma intrincada teia,
Revela
o fim de uma aldeia
Pela
morte de um novilho.
Essa
instigante história
Pertence
ao povo ba-ronga,
Que
habita a costa sudeste
E
fala língua xironga,
Apelidada
landim,
E
ela chegou até mim,
Vencendo
jornada longa.
Era
uma vez um casal
Singelo,
porém feliz,
Com
um belo par de filhos
E
como o costume diz:
O
rapaz será o herdeiro,
Se
a moça casar primeiro,
Pronta
para ser matriz.
Ao
arranjarem pra ela
Um
rendoso casamento.
Quando
recebeu o dote,
Que
chegou num bom momento,
Seu
irmão já o aguardava,
Pois
sua hora chegava
Do
mesmo acontecimento.
—
Você já pode casar-se! —
Disse
o pai para o seu filho:
—
Use os recursos do dote,
Parte
da safra de milho;
Invoque
o bom criador
E
seja merecedor
De
um futuro com mais brilho.
Mas
para isso é preciso
Ligeiro
encontrar alguém,
Que
a sorte lhe seja farta
Terei
que rogar, também,
Que
o deus Ifá o proteja
E
a sua escolhida seja
Filha
de gente de bem!
O
rapaz lhe respondeu:
—
Sairei para encontrar
A
bela moça com quem
Haverei
de me casar.
Sei
que por aqui não tem,
Por
isso mesmo, convém
Procurar
noutro lugar.
O
velho disse: — Meu filho,
O
homem, para ter sorte,
Tem
de ter ouvidos bons,
Não
lhe bastando ser forte;
Por
que ir à terra alheia,
Se
aqui em nossa aldeia
Você
encontra consorte?
O
rapaz disse: — Meu pai,
Por
este conselho seu,
Eu
não darei nem um passo,
Pois
a mim não convenceu.
Seja
bonita ou feinha,
A
mulher que será minha,
Quem
escolherá sou eu!
Contato com o autor:
(11) 99135-1919 - tim
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