O LOBISOMEM E AS MAZELAS HUMANAS!

Naquele
lugarejo simples, com uma única rua e mais ou menos trinta casas, o
assunto era um só, a maldição.
Era
um período de forte estiagem, com isso, o povo se ajuntava e não
falava de outra coisa a não ser do lobisomem. Uma unanimidade!
Aquela cachorrada que passava latindo quase todas as noites, era
mesmo denunciando a presença do bicho. Quando caía a tarde, era
grande a preocupação. Muitos marcavam cruzes ou estrelas de seis
pontas nas portas, colocavam agulhas virgens nos bolsos, entre outros
amuletos, para espantar aquela maldição. O medo era manifesto.
Alguns falavam baixinho, como se ele estivesse ouvindo. Mas tinha os
que diziam temer só pelas crianças que ainda não haviam recebido o
batismo, e ali eram, pelo menos, seis.
Era
lobisomem e ponto! Especulações, só quanto à origem do bicho. O
dono da venda disse já tê-lo visto descendo a serra e que por certo
não era dali. Um freguês comentou — Só pode ser coisa daquele
casal lá do pé da serra, dizem até que o homem perdeu um pedaço
da orelha esquerda num acidente, sabe-se lá como! Não deve mesmo
ser boa abelha. — Disse. O referido casal morava ali havia apenas
dois anos e não tinha aderido completamente aos costumes da
comunidade, plantava vegetais e criava aves e animais, apenas o
suficiente para se nutrir e o homem quase não aparecia na feira de
trocas, o que aguçava mais e mais a curiosidade de todos.
E
o burburinho não parava. O marchante afirmou ter peitado o bicho de
frente na passagem do riacho e até lhe dado um golpe com sua
peixeira; gabava-se. O barbeiro confirmou o feito, lembrando que o
homem do pé da serra tivera o tal acidente na orelha naquele mesmo
período e que devia ser ele mesmo o bicho. Com isso, a manicure
tagarelou — É vero! Vai ver que nem casados são. A parteira
acrescentou — Arre, nem filhos têm, vai saber o porquê!
Os
demais moradores, só de ouvidos, ficavam cada vez mais firmes em
suas suspeitas, o que tornava insuportável para aquele homem,
tamanha discriminação; até mudavam de calçada quando o
encontravam. Foi aí que não aguentando mais o ofensivo falatório,
ele tomou uma atitude. Afiou uma grande faca e ao anoitecer, saiu à
procura do bicho. Ao sair de casa com a faca em punho, sua mulher
ficou na porta olhando até que ele sumiu na curva do caminho. Um
tempo depois, lá vem ele cabisbaixo, com ar de tristeza, e então, a
mulher lhe perguntou: — O que aconteceu, homem? — Nem… Nem…
Nem… — Diz logo, pela santa Virgem Maria! — Nem, nem te conto
mulher! — Fala logo, homem, pelo amor de Deus! — Foi então que o
homem contou: — Mulher, quando entrei na parte mais escura do
caminho, dentro do riacho, de repente, apareceu-me um bicho graúdo
pulando e veio com as patas dianteiras levantadas pra cima de mim…,
era a nossa cachorra. — Valha-me, Nossa Senhora! E tu tocaste a
faca nela; não foi, homem?... — Mas que nada, mulher, fedeu...,
dei foi um grito muito feio!
Ocorre
que a cachorra do casal, uma mestiça grande, de cor preta no dorso e
marrom na barriga, estava no cio; até aí tudo bem, não fosse o
fato de ela atrair uma cachorrada danada, trazendo à luz, mazelas,
caprichos e outras fragilidades humanas.
Comentários
Minha fonte de inspiração foi o ambiente que fui criado, ouvindo muitos falatórios e estórias sobre o lobo rei das sextas feiras e das noites de lua cheia.